quarta-feira, 21 de março de 2012

VIOLÊNCIA URBANA: como se proteger

Abertura do livro VIOLÊNCIA URBANA: como se proteger lançado por Elson Matos da Costa, Delegado Geral de Polícia, Coordenador/Professor de TAP - Técnicas de Ação Policial tendo sido Chefe da DAS - Divisão Antissequestro e Do DEOEsp - Departamento Estadual de Operações Especiais - elsonmatos@uai.com.br

INTRODUÇÃO

Estamos vivendo um momento muito delicado em nosso país no que diz respeito à segurança pessoal. A cada dia que passa crimes e mais crimes violentos são praticados e muitas das vezes não acreditamos que o homem possa estar cometendo tantas barbaridades.

Num dia são vítimas que tem as cabeças cortadas assim como os dedos, outra são os casos dos pedófilos, numa outra reportagem tomamos conhecimento de pessoas que reagiram ou apenas fizeram um gesto brusco e foram mortas. Em São Paulo uma Advogada foi encontrada morta dentro do seu carro no fundo de uma represa e o ex-namorado foi indiciado como um dos suspeitos deste homicídio. E assim vai caminhando a nossa sociedade desnorteada sem saber por onde andar.

Ao tomarmos conhecimento de que um grande astro do futebol brasileiro, goleiro do time de maior torcida no Brasil, Flamengo, teria sido envolvido assim como outras pessoas como suspeitos em um crime bárbaro, a tendência é desacreditar na humanidade.

Muitos acabam se recolhendo aos seus lares e desanimam de ir a um cinema, teatro, museu, parque, barzinho, estádio de futebol, etc. Isto tudo pela insegurança que o mundo está causando a todos nós.

Nesta violência crescente os marginais acabam aperfeiçoando os seus métodos. Pode ser que não pareça, mas eles fazem um planejamento antes de atacar, ou seja, estudam as suas ações. Aquele “ladrãozinho” de sinal que aproveita da fragilidade da vítima que estiver desatenta no carro antes de se aproximar ele verificará se haverá possibilidade de ter algum ganho, de que não haverá reação e que poderá fugir tão logo tenha os bens em mãos.

Este é o seu planejamento, e com certeza irá selecionar alvos mais vulneráveis. Assim, os menos cautelosos serão com certeza aqueles que serão atacados.

Então podemos dizer que o crime não acontece por acaso, antes de atacar o bandido observa a sua vítima e faz o ataque inesperadamente não havendo tempo para reação. Para tanto ele observa atentamente a sua vítima antes de tomar qualquer iniciativa. Olha para os lados preservando a sua segurança e verificando que aquele é o momento, parte para o roubo. Sempre ou quase sempre irá apanhar a vítima de surpresa.

Pode ocorrer de não haver um planejamento quando o marginal estiver drogado. Ele agirá sem pensar nas conseqüências. O drogado não planeja suas ações, verificando uma oportunidade ele agirá independente das conseqüências que virão. Mas isto não é o que acontece normalmente. Aquele que vive de grandes e pequenos furtos/roubos pesa todos os fatores. Ele irá verificar se o ataque que vai empreender encontrará facilidade, observará as rotas de fuga para não ser apanhado, se o alvo oferecerá algum tipo de resistência e se o bem que ele procura lhe proporcionará um ganho fácil.

Por isto a importância de saber o que se passa na cabeça do marginal, como ele planeja, age, foge. Se entendermos isto ficará mais fácil nos livrarmos de um possível ataque. Para isto precisamos praticar segurança no dia a dia. E não existe nada de especial em pequenas regras que devemos seguir em nossa vida diária. Se recorrermos ao bom senso evitaremos um sem número de aborrecimentos.

A nossa segurança pessoal e residencial tem muito a ver com VÍTIMA X ROTINA DE COMPORTAMENTO. Como o aumento da violência e da criminalidade é uma preocupação em nossa vida atual devemos nos perguntar: Estamos todos expostos ao perigo da mesma forma? Digo e reafirmo que não, depende da forma como vemos o problema da segurança pessoal.

Será que todos estão expostos ao perigo da mesma maneira? Ao sairmos do conforto de nosso lar sempre haverá a possibilidade de que sejamos abordados por algum marginal caso não adotemos nenhuma precaução. Desta forma fará uma enorme diferença a maneira como andamos na rua, como dirigimos, como saímos e chegamos a nossa residência. Por exemplo, abrir o portão de casa sem antes checar de verdade quem está apertando a campainha. Será mesmo o carteiro, será mesmo o leitor da companhia de energia ou de água?

Portanto a finalidade de nossas recomendações é de como vamos nos portar daqui por diante em nossa vida corrida neste mundo maluco. Isto não lhe tomará tempo, será apenas uma questão de se adaptar aos hábitos já adquiridos há muito tempo e que você não quer largá-los por comodidade. Uma mudança na sua rotina lhe fará muito bem, pois não se sentirá tão ameaçado.

Você tem de entender que não se cuidando tornará um alvo em potencial já que os menos cautelosos se tornam aqueles que serão abordados. A mídia está sempre nos mostrando onde ocorrem os atentados e como ocorrem, então precisamos estar atentos a estas ocorrências. Aprendendo com o erro dos outros ficará mais fácil a prevenção. Então vamos minimizar os riscos que corremos já que é possível fazer isto.

O objetivo principal das recomendações que damos a seguir é para que os grandes empresários não vejam um parente envolvido em uma extorsão mediante sequestro assim como trabalhadores, pessoas comuns, comerciantes não caiam na conversa de algum estelionatário ou mesmo tenham as suas residências ou estabelecimentos invadidos por marginais. Optamos assim em transmitir estas informações em uma linguagem clara, de fácil acesso e entendimento por todos.

Da mesma forma estas orientações são importantes para o policial já que devido a sua atividade de risco pode se ver envolvido tanto na área profissional quanto na de cidadão comum e nesta pode ser que esteja junto com sua família. Assim a preocupação de que também os nossos colegas tenham estas recomendações bem presentes em seu dia-a-dia.

Ao leitor fazemos uma recomendação de que ao lerem este livro tenham em mente que o mesmo foi elaborado pensando no cidadão comum como também no policial. Assim os capítulos são destinados aos dois e alguns são específicos aqueles que trabalham com uma arma de fogo e tem a obrigação de proteger a sociedade. Pretendemos desta forma transmitir a todos, cidadão e cidadão policial informações de como trabalham estes últimos e as preocupações e dificuldades por que passam quando num confronto armado e assim entendam quando existe a morte de um marginal que atentou contra a vida daqueles que defendem a nossa sociedade. Todas as recomendações existentes aqui são frutos de nossa experiência profissional na DAS - Divisão Antissequestro e DEOEsp – Departamento Estadual de Operações Especiais assim como Coordenador/Professor na ACADEPOL/MG – Academia de Polícia Civil de Minas Gerais na disciplina de TAP – Técnicas de Ação Policial portanto, embasado em muitas ocorrências das quais tivemos a oportunidade de participar e assim dividirmos com o público em geral o nosso conhecimento.

Espero que apreciem a leitura e utilizem em suas vidas diárias os conselhos aqui esposados e possam ter uma vida um pouco mais tranqüila em relação a segurança pessoal dividindo isto com seus familiares.

Tortura? Estado de Necessidade?

Elson Matos da Costa, Delegado Geral de Polícia, Coordenador/Professor do TAP - Técnicas de Ação Policial, Chefiou a DAS - Divisão Antissequestro de Minas Gerais e o DEOEsp - Departamento Estadual de Operações Especiais.

Na penúltima edição do Jornal Muito Mais – Dezembro de 2007 – o nosso colega Dr. Dirceu Bueno da Fonseca, do qual fui seu subordinado por duas vezes, e ao qual agradeço por tê-lo encontrado no meu início de carreira, sendo a primeira como Escrivão de Polícia em Guaxupé e a segunda já como Delegado em Ouro Preto quando ele era o Regional de Ponte Nova, nos brinda com um texto magnífico denominado “Tortura” e faz uma indagação ao final que nos faz pensar.

Faz ele uma digressão sobre o bem mais precioso que nós temos que é a vida e ainda diz: “Quem tortura fere um bem dos mais caros. Quem mata suprime o bem maior”. Ainda fala sobre a exclusão de ilicitude e trata da legitima defesa e estado de necessidade sendo que este último é assim definido pelo nosso Código Penal: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. E é nesse momento que ele formula a pergunta que não quer calar. Preso um seqüestrador pela polícia e aquele sabe onde fica o cativeiro e o mesmo nega-se a tal esclarecimento, correndo a vítima risco de morrer. O que fazer mediante essa situação?

Neste momento ele encerra o seu texto e ficamos a pensar. E agora?

Durante longos 13 anos combati a frente da Divisão Antisseqüestro de Minas Gerais estes crimes ocorridos no âmbito de nosso estado e posso dizer depois de ter cumprido a minha missão frente a Polícia Civil de tê-lo feito com completo êxito, tanto no aspecto profissional quanto no pessoal. Quem nunca teve a oportunidade de “estourar” um cativeiro não pode nem imaginar a felicidade que toma conta dos policiais presentes àquela ação. Ao mesmo tempo, a vítima que estava segregada naquele local tem um misto de pânico e de alegria e alívio. Pânico por não saber o que está acontecendo quando da invasão pela polícia, as vezes com troca de tiros e outras simplesmente com a porta sendo estourada e um bando de homens armados aparecendo do nada. Naquele momento a vítima confusa pensa em tudo, principalmente que é uma quadrilha rival que veio matar os seus desafetos e ela pode estar incluída nessa. Apavorada, se encolhe, coloca as mãos na cabeça num instinto de sobrevivência. Alegria e alívio quando constata que a Polícia Civil chegou para salvá-la daquele inferno que parecia não ter mais fim.

Não há outra forma de combate em ambiente fechado em caso de cativeiro. Os policiais são treinados para essa situação. Pegar de surpresa quem estiver dentro da residência para que não haja troca de tiros e ninguém venha a ser ferido. Por isso a aparente truculência da entrada. Neste momento os policiais deverão ser o mais agressivo possível para intimidar qualquer tipo de reação e mesmo que a vítima venha a ser pega como refém e aquilo se transforme num gerenciamento de crise, o que iria prolongar o sofrimento dela ainda muito mais.

Minutos depois de ela ter sido libertada das correntes que a aprisionavam é feito um contato via telefone celular para sua residência e ela fala com seus familiares. É um momento único na vida de um policial. Quando olhamos em torno com os olhos marejados também vemos o mesmo sentimento tomando conta daqueles homens que não pareciam ter nenhuma emoção. Ao retornarmos para a residência da vítima sã e salva, a festa e o agradecimento de todos os amigos e familiares nos faz ver que todo o sacrifício durante dias e dias de investigação não foram em vão. Voltamos para o aconchego de nossas casas certo de termos cumprido com o nosso dever.

É justo protelarmos o sofrimento da vítima no cativeiro quando temos um seqüestrador preso e ele sabe onde o mesmo fica? Quem tem mais direitos humanos, a vítima acorrentada no cativeiro, fazendo as suas necessidades em uma lata, não tendo como se locomover, aprisionada dentro de um buraco, sem as mínimas condições de higiene por dias e dias ou a integridade física de um malsinado malfeitor que quer apenas se locupletar financeiramente não importando a maneira como isso irá se dar? O policial é quem terá que dar as respostas a estas perguntas no momento em que estiver com uma situação como essa nas mãos. Como devo proceder? Quem tem mais direito? Liberto o seqüestrador por ele não dizer o local do aprisionamento da vítima? Prolongo ainda mais o sofrimento da vítima?

Não temos resposta pronta para essa situação. Por isto a vida policial é muito mais empolgante que qualquer outra profissão. O nível de adrenalina numa situação como essa chega ao extremo. E você policial tem que continuar raciocinando, pensando e verificará qual é a melhor saída para resolver esse impasse. Existem alguns doutrinadores que comungam de que nesta situação específica se o policial forçar o seqüestrador a dizer onde fica o cativeiro ele estaria acobertado pelo instituto do estado de necessidade já que neste momento os direitos e garantias fundamentais da vítima teriam um peso muito maior do que o do preso. Você decide.


Tiro de comprometimento (sniper)

Aspectos Penais

Elaborado em 01.2008.

Bruno Régio Pegoraro

juiz de Direito no Paraná

I. Introdução.

No mês de outubro de 2006, a Associação dos Magistrados do Paraná, AMAPAR, promoveu, conjuntamente com a Policia Militar do Paraná, Curso de Tiro e Direção Evasiva, o qual contou com a participação de vários colegas juizes.

Na oportunidade, além das aulas práticas de tiro e direção evasiva, foram ministradas aulas teóricas, as quais abordavam, além da segurança no manuseio de arma e direção, alguns pontos da atividade policial.

Em uma dessas aulas, o Capitão Vieira, integrante do Pelotão de Choque da Polícia Militar do Paraná, expôs a função policial em situações de risco e trouxe à baila discussão a respeito das conseqüências jurídico-penais do tiro de comprometimento (questões que serão mais bem esclarecidas no decorrer do trabalho).

Alguns colegas dignaram-se a expor suas opiniões, mas todas, de uma forma geral, não se aprofundaram no estudo do tema, o que é plenamente justificável, haja vista que se tratava de apenas uma conversa, onde, sequer, houve tempo e possibilidade de estudos.

De qualquer forma, o tema é interessante porque, nem magistrados, nem policiais, naquela oportunidade, evidentemente, conseguiram encontrar um ponto comum sobre as questões penais do tiro de comprometimento.

Vale ressaltar: as situações de risco que exigem esta conduta do comando policial sempre ressoam na imprensa diante da gravidade em que são colocados o causador da crise, a vítima e os policiais envolvidos no gerenciamento da situação critica.


II. Da situação critica.

Antes da análise das conseqüências jurídicas do tiro de comprometimento é necessário traçar alguns esclarecimentos a respeito da situação fática em que esta manobra está inserida.

A situação critica que interessa para o presente trabalho é aquela em que o causador da situação de crise toma reféns, colocando em risco a vida das vítimas.

Nestas situações sempre se busca uma resolução aceitável.

Para que uma solução seja considerada aceitável do ponto de vista da atividade policial ocidental, é necessário ter em mente que sua função primordial é preservar vidas, sejam elas da vítima, dos próprios policiais e, até mesmo, do causador do evento crítico e, em segundo plano, cumprir a Lei.

Essa função primordial, somente a título de curiosidade, é exatamente contraposta ao que ocorre nas localidades em que são enfrentadas situações de terrorismo, como em Israel, onde a atividade policial visa cumprir a Lei e, após, preservar vidas.

É que preservar a vida de uma vítima, ou até mesmo do causador do evento crítico, pode refletir na morte de muitas outras em razão das características próprias que envolvem o terrorismo, como os homens-bomba.

Pois bem, a atividade policial ocidental, incluindo, evidentemente, a brasileira, busca a solução da crise através de meios não letais, os quais se iniciam pela negociação.

Uma vez constatada o insucesso dos meios não letais de solução da crise envolvendo reféns, a atividade policial poderá optar pela utilização do tiro de comprometimento, solução extrema e que, sem sobre de dúvida, ferirá bens jurídicos tutelados pelo direito.


III. Do tiro de comprometimento.

A partir deste ponto, resta definir-se o que vem a ser, exatamente, o tiro de comprometimento.

O tiro de comprometimento equivale ao tiro de precisão ou sniper.

O tiro de comprometimento, ou tiro de sniper, é uma das alternativas táticas que as organizações policiais dispõem para a resolução de situações críticas.

Este tiro se constitui em um único disparo realizado por policial especialmente treinado para este fim, sob as ordens do comandante do teatro de operações. Objetiva a imobilização imediata do causador da crise: via de regra, significa sua morte instantânea.

Neste contexto, diante da possibilidade iminente da ofensa ao bem jurídico tutelado (vida), é de se delinear quais as possibilidades possíveis de sua utilização e, a partir daí, definir quais as conseqüências jurídicas penais de cada uma delas.


IV. Da lógica na análise do fato em sede de direito penal.

Busca-se, através deste artigo, definir as conseqüências jurídico-penais do tiro de comprometimento. Para tanto, é necessário que se indique qual deve ser a lógica do raciocínio, ou o caminho que deve ser percorrido pelo intérprete do fato levado a conhecimento.

Para tanto é necessário consignar a definição de crime.

Em um conceito analítico descritivo, crime é toda conduta típica, antijurídica e culpável. (destaca-se a teoria defendida por Damásio de Jesus em que a culpabilidade não se enquadra na definição de crime, mas como pressuposto de aplicação da pena).

E, a análise de qualquer fato deve ser realizada nesta ordem, por camadas, sem saltos.

Ora, não há sentido discutir-se tipicidade uma vez observada a inexistência de conduta.

Da mesma forma, uma vez verificada a existência de conduta, a qual, entretanto, não está individualizada em um tipo penal, não faz sentido averiguar se está permitida ou se é contrária à ordem jurídica e, menos ainda, se é ou não reprovável.

Portanto, este é o caminho a ser percorrido na análise de toda situação em que se objetiva suas conseqüências penais:

a) Verificação da existência de CONDUTA;

b) se positiva, verificação de existência de TIPICIDADE;

c) uma vez verificada a tipicidade, é de se buscar a ANTIJURIDICIDADE;

d) por fim, a reprovabilidade ou CULPABILIDADE.

Conduta pode ser definida como toda ação ou omissão humana, voluntária, conscientemente dirigida a uma dada finalidade.

Tipicidade, por sua vez, é, na definição de Zaffaroni, o instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes porque penalmente proibidas, ou, em uma definição mais concisa, é o modelo legal de conduta proibida.

Uma vez verificada a tipicidade, a antijuridicidade é presumida, isto quer dizer que, uma conduta típica é, presumivelmente, antijurídica, por que, em princípio, viola o ordenamento jurídico, salvo permissivo legal expresso, que pode ter origem não só no direito penal, mas em todo o ordenamento jurídico.

A antijuridicidade é, assim, o conflito da conduta com o ordenamento jurídico.

Como exemplo de causas que afastam a antijuridicidade, ou antinormatividade, tem-se a legítima defesa.

Ultrapassada a verificação da antijuridicidade, chega-se à culpabilidade: reprovabilidade do injusto (conduta típica e antijurídica) ao autor da realização dessa conduta porque não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que agiu, que nela se motivasse.

A culpabilidade possui três elementos, são eles, a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa (ou de acordo com o direito).

É esse, portanto, o caminho teórico a ser percorrido por aquele que é incitado a interpretar um fato penalmente relevante.


V. Das análises penais gerais do tiro do comprometimento.

No presente item, serão indicadas algumas características gerais aplicáveis, em regra, para os casos de ocorrência do tiro de comprometimento.

Situações especiais serão analisadas na seqüência.

a. Da responsabilidade.

A primeira pergunta que surge em relação a este aspecto é sobre de quem é a responsabilidade pelas conseqüências do disparo. Ou seja, quem, potencialmente, responderá pelo tiro de comprometimento.

Diz o artigo 29, do Código Penal:

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Como está expresso, todo aquele que, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a ele culminadas.

Isso quer dizer que, todo aquele que influenciou, ajudou, cooperou para o crime, poderá responder por ele.

Mas, no caso do tiro de comprometimento, utilizado em ações policiais, a dúvida restringe-se à responsabilidade do atirador e do comandante do teatro de operações. Isso por que, em regra, o tiro somente é disparado depois de autorizado pelo supervisor da operação.

Neste caso, as dúvidas que surgem são: se ambos respondem, e, em caso positivo, na condição de autor ou partícipe.

Dispõe o artigo 13 do Código Penal:

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Diante da redação do artigo 13, supracitado, poder-se-ia concluir, diga-se, de forma equivocada, que a imputação poderia recair somente na pessoa do atirador, pois foi ele quem deu causa ao resultado.

Ocorre que a questão não é tão simples quanto parece.

Prevalece, hoje, nas modernas doutrinas, o critério para indicação da autoria, o domínio do fato.

Sob esse critério, é autor o que tem o domínio do fato.

Este critério exige, sempre, uma análise do fato concreto para se estabelecer a autoria.

E, possui o domínio do fato, aquele que possui o poder de determinar se, como, e quando o fato ocorrerá.

Portanto, para que seja autor não é necessário que se efetue, propriamente, o disparo.

Pode ocorrer, ainda, uma divisão de tarefas para a realização de um fato.É o que se chama de domínio funcional do fato.

Por esta teoria, cada qual possui uma tarefa, possuindo pleno domínio sobre ela, de modo que, somando-se todas as tarefas, se tem o todo: o fato imponível.

A fim de clarear as idéias expostas, tomemos o seguinte exemplo:

Alguém resolve matar seu desafeto e, para tanto, contrata três outras pessoas.

Não há dúvida de que o primeiro possui o domínio do fato, eis que é quem decidiu se e como o homicídio será praticado.

Os outros três vão ao encalço do desafeto, encontrando-o. Dois deles subjugam a vítima, enquanto o terceiro profere-lhe a facada mortal.

Da mesma forma, esses três possuíam uma função para o cometimento do todo: o homicídio.

É impossível imaginar, nesta situação, que somente é autor do delito de homicídio aquele de desferiu a facada, enquanto que os demais, incluindo o desafeto, são meros partícipes do delito.

Ora, cada qual contribuiu determinantemente para a ocorrência do fato impunível, de modo que haverá, sem sombra de dúvidas, co-autoria entre todos.

Transportando este exemplo para o caso em análise: o tiro de comprometimento. Tem-se que o tiro é determinado, ou autorizado, pelo comandante do teatro de operações (o tiro, sem esta autorização, será analisado oportunamente).

Portanto, é o comandante quem determina o se e o como o tiro será realizado, possuindo, assim, o domínio do fato.

Já no que se refere ao atirador, é fácil notar que possui ele o domínio funcional do fato, pois praticará o verbo típico.

Deste modo, tanto o atirador como o comandante do teatro de operações estarão sujeitos, via de regra, à eventual persecução penal.

Assim, nem atirador, nem comandante estão, em princípio, isentos de responsabilidade.

b. Da conduta e da tipicidade.

Em uma análise geral das possibilidades de utilização do tiro de comprometimento, são possíveis observar algumas regras aplicáveis a todas as situações:

No tiro de comprometimento haverá, necessariamente, conduta, isto é, ação humana, consciente, voluntariamente dirigida a uma finalidade.

Portanto, em relação a este aspecto não existe dúvida.

Também não existe dúvida quanto à tipicidade do verbo praticado, o qual vem previsto no artigo 121, do Código Penal:

Art. 121. Matar alguém:

Ressalta-se que, como já consignado acima, o tiro de comprometimento visa, sempre, a parada imediata do causador da situação crítica com um disparo dirigido ao centro do rosto, nas proximidades do nariz, a qual, irremediavelmente leva-lo-á a óbito.

Em sendo assim, as análises que se seguirão já consideram a existência de conduta e tipicidade, salvo, evidentemente, ressalvas existentes.


V. Da análise específica para cada caso possível.

A partir de agora, analisar-se-á cada caso possível e suas conseqüências jurídicas penais.

a. Primeira possibilidade: Disparo em momento adequado e que atinge exclusivamente o causador o evento crítico.

Conforme já se destacou acima, o tiro de comprometimento, por ser uma atitude de risco extremo e sem possibilidade de conserto posterior, deve ser utilizado cercado das maiores cautelas possíveis.

Pois bem, o primeiro caso em análise sugere o sucesso pleno do tiro de comprometimento. Isso quer dizer que a situação concreta a recomendava, eis que esgotada ou impossibilitada todas as possibilidades de negociação ou utilização de meios não letais. Ainda, o risco ao refém era iminente.

Dada a ordem pelo comandante do teatro de operações, o policial responsável efetua o disparo, atingindo exclusivamente o causador do evento crítico.

Não há nenhuma dúvida, como já se destacou, sobre a responsabilidade, nem sobre a existência de conduta e tipicidade.

O que se deve discutir é a existência, em primeiro lugar, da antijuridicidade, e, caso positivo, da culpabilidade.

O fato típico é, presumivelmente, antijurídico, ou seja, contrário ao ordenamento jurídico, salvo expresso permissivo previsto em lei.

Os permissivos penais vêm previstos no artigo 23, do Código Penal. São eles, a legitima defesa, o estado de necessidade, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Na análise do caso em tela não serão analisados os critérios impertinentes.

O que se observa, em verdade, é a ocorrência do permissivo da legitima defesa.

É que ninguém é obrigado a suportar o injusto, podendo agir por não haver outra forma de preservar seus bens juridicamente tutelados.

Note-se bem que o artigo 25, do Código Penal permite, de forma expressa, a utilização da legitima defesa como meio de afastar injusta agressão a direito próprio ou de outrem. Neste caso, é a chamada legítima defesa de terceiro.

Cumpre destacar que a causa de justificação existirá mesmo que a agressão não esteja em curso, isto é: não é necessário que a agressão injusta seja atual, basta que seja iminente.

Não há que se discutir se o meio foi moderado quando ele é único que se dispunha, naquele momento, para afastar a injusta agressão causada pelo agente crítico.

Em sendo assim, no caso, neste momento debatido, haveria o afastamento da antijuridicidade e, portanto, de inexistência de delito, diante da legítima defesa de terceiro.

b. Segunda possibilidade. Disparo em momento adequado dirigido ao causador o evento crítico, mas que atinge o refém.

A segunda possibilidade em discussão é do disparo que, realizado em momento adequado e dirigido ao causador do evento crítico, atinge o refém, levando-o a óbito.

Concluiu-se acima que o disparo em momento adequado e que atinge o causador do evento crítico estará albergado pela excludente da legitima defesa.

Esta obserção é importante pelo seguinte: diz o artigo 73, do Código Penal, em sua primeira parte:

Art. 73. Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do artigo 20 deste Código.

Trata-se do erro de execução, ou, como se convencionou chamar, aberratio ictus.

No erro de execução o agente visa atingir determinada pessoa, mas, por erro de pontaria, atinge pessoa diversa.

Neste caso, o agente responde como se tivesse praticado o delito contra a pessoa visada, devendo-se considerar, pois, as condições ou qualidades desse terceiro quando da aferição dos elementos do crime e suas circunstâncias.

Note-se o que está expressamente previsto no artigo 20, § 3º, do Código de Penal:

§ 3º. O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

O raciocínio do aberratio ictus é simples. Embora o disparo tenha atingido o refém, por uma ficção jurídica, determinada expressamente pela Lei, considera-se, para fins penais, como se o projétil tivesse acertado o causador do evento crítico, isto é, as condições e qualidades deste último é que serão consideradas.

Pois bem, no mundo empírico, o atingido foi o refém, mas, no mundo jurídico-penal, o atingido foi, exatamente, o causador do evento crítico.

A responsabilidade penal, assim como no primeiro caso, estará afastada pela legítima defesa.

Cumpre ressaltar, para que não haja dúvidas, que esse raciocínio é aplicável, somente, no âmbito penal, objeto deste artigo. De modo que não afastará, em menos em tese, de forma alguma, eventual dever reparatório na esfera cível.

c. Terceira possibilidade. Disparo em momento adequado dirigido ao causador o evento crítico, atingindo-o, e, também, ao refém.

A possibilidade em debate refere-se ao disparo que, realizado em momento oportuno, atinge, além do causador do evento crítico, a vítima.

A possibilidade vem prevista no artigo 73, última parte, do Código Penal:

Art. 73. [...] No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código.

A norma supra transcrita determina a aplicação do disposto no artigo 70 do Código Penal, que dispõe sobre o concurso formal.

O concurso formal, em uma análise superficial, ocorre quando o agente, mediante uma ação ou omissão, comete dois ou mais crimes, os quais podem ou não ser idênticos.

Têm-se, no caso, a ocorrência, em tese, de dois homicídios.

Ocorre que, em relação ao causador do evento crítico, como já restou definido, o agente estará amparado pela legítima defesa.

Mas, neste caso, em relação ao refém que também foi atingido (note-se bem que esta situação é distinta da anterior, onde somente o refém foi atingido), aplica-se, neste caso, o disposto no artigo 74 do Código de Penal:

Art. 74. Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código.

A lei penal prevê, no artigo 121, § 3º, a possibilidade de homicídio culposo.

Ora, em relação ao causador do evento crítico havia, sem sombra de dúvidas, dolo.

Já, em relação ao refém, não havia dolo, muito ao contrário, o que se pretendia era a preservação de sua vida.

Poder-se-ia defender, no caso, o dolo eventual, onde o agente teria assumido o risco de atingir, com o disparo, também a vítima.

Mas não é o caso, em razão das expressas disposições dos artigos 73 e 74, que foram transcritos.

O que a norma prevê, ao contrário, é a punição do agente pelo crime culposo.

Assim, haverá a responsabilidade tanto do atirador quando do comandante do teatro de operações, como já restou definido acima, pela ocorrência do crime de homicídio em sua modalidade culposa.

d. Quarta possibilidade. Disparo em momento não adequado.

Pode ocorrer o disparo do tiro de comprometimento em situação não adequada.

Em primeiro lugar, deve ser destacado que não existe uma linha visível a delimitar o momento oportuno do momento inconveniente para o disparo, o qual deve ser analisado no caso concreto e de acordo com suas situações peculiares como, por exemplo, local da situação de crise, tempo disponível, dentre outras.

Mas, em linhas gerais, o momento oportuno para o disparo é aquele depois de todos os métodos negociais ou não letais foram esgotados ou inviabilizados, somando-se ao atual o iminente perigo ao refém.

Verificado, pois, o esgotamento dos métodos negociais e não letais e, ainda, o risco atual ou iminente à vida do refém nas situações já descritas.

Ocorre que pode ocorrer, do Comandante do Teatro de Operações, determinação do disparo sem que esta situação esteja configurada.

Neste caso, restará inviabilizada o reconhecimento da legitima defesa de terceiro e estar-se-á diante de um crime de homicídio, pelo qual responderão tanto o comandante quanto o autor do disparo.

Vale lembrar que, mesmo diante da hierarquia militar, o menos graduado não está obrigado a cumprir ordem manifestamente ilegal.

Entretanto, cumprindo a ordem manifestamente ilegal, responderá pelas suas conseqüências, assim como aquele que as ordenou.

Pode ocorrer que este momento oportuno não exista absoluta falta de perigo à vida do refém, mas, mesmo assim, a situação seja putativa, com o reconhecimento da legítima defesa.

Sobre o tema, observe-se o artigo 20, § 1º, do Código Penal:

§ 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Note-se que o erro nesta apreciação do momento oportuno pode ocorrer por engano plenamente justificável.

Veja-se a seguinte situação: o causador do evento crítico ameaça, veementemente, desferir tiros contra o refém, restando inviabilizada a utilização de métodos não letais.

Autorizado, o disparo é realizado com sucesso.

Depois disso, ao analisar o local, percebe-se que o causador do evento crítico portava, em verdade, uma arma de brinquedo, com aparência muito assemelhada das armas reais.

Ora, o erro é plenamente justificável, sendo que não era possível, antes do tiro de comprometimento, a verificação do real potencial ofensivo da arma portada pelo causador do evento crítico.

Supunha o comandante, bem como o atirador, tratar-se de uma arma real, havendo, pois, risco iminente à pessoa do refém.

Aplicar-se-ia, portanto, no presente caso, a primeira hipótese delineada, devidamente combinada com o contido no artigo 20, § 1º, do Código Penal, supra transcrito.

Se a apreciação equivocada deste momento oportuno ocorrer por culpa, responderão, tanto o comandante como autor do disparo, pelo crime de homicídio culposo.

A situação é curiosa, isso porque, embora o crime seja doloso, será a responsabilização como se culposo fosse.

e. Quinta possibilidade. Do disparo não autorizado.

O único que possui a prerrogativa de autorizar a realização do tiro de comprometimento é o comandante do teatro de operações e, uma vez autorizado, cumpre ao atirador buscar o momento oportuno.

Pode acontecer do atirador, por iniciativa própria, entender que o momento é oportuno para a realização do disparo e, mesmo sem autorização do comandante do teatro de operações, realize-o.

O que ocorre: não é dado ao atirador realizar esta apreciação, de modo que incorrerá, irremediavelmente, no crime de homicídio.

É possível, até mesmo, que o atirador esteja com a razão, mas, naquele momento, não lhe é permitida esta análise, pouco importando, a partir daí, se possui ou não razão no que verificou.


VI. Conclusão.

Conforme se pode extrair das situações descritas acima, as possibilidades são várias, com diferentes desdobramentos possíveis.

Podem ocorrer outras, não previstas neste trabalho, até porque não se pretende esgotar o tema, mas, em verdade, colocar alguns mínimos parâmetros norteadores da atividade policial.

De qualquer forma, o tiro de comprometimento ofenderá, ainda que em situações que o justifiquem, o bem jurídico tutelado mais precioso e a razão da existência de todo o direito: a vida.

Deste modo, sempre que possível, a vida deve ser preservada, mesmo que, para tanto, outros bens jurídicos de menor importância sejam sacrificados.

Para preservar a vida vale, até mesmo, prolongar o sofrimento psicológico do refém, desde que sua integridade física, evidentemente, seja preservada.

Em sendo assim, existirão situações em que a utilização do tiro de comprometimento será necessária, cabendo aos agentes da lei realizar uma rigorosa apreciação desses fatos, para que não haja uma banalização da vida, ou da morte, sendo que a ninguém é dado, pura e simplesmente, tolher a vida de seu semelhante.

Portanto, as cautelas, nesse tipo de situação, ou em todas as situações de crise, devem ser as maiores possíveis, a fim de que se possa, nesta ordem, preservar vidas e cumprir a lei.

TAP – MITOS E VERDADES

Elson Matos da Costa, Delegado Geral de Polícia, Coordenador/Professor de TAP – Técnicas de Ação Policial

Para que possamos ter um entendimento mais abrangente e da importância do que é o TAP – Técnicas de Ação Policial – disciplina constante da malha curricular da ACADEPOL/MG precisamos entender como funciona um confronto armado. Nos últimos meses, diversos policiais civis foram feridos com maior ou menor gravidade em ação policial quando a absoluta falta de treinamento acabou por quase vitimar alguns pais de família.

O tiro policial em nada guarda semelhança ao exame, por exemplo, que se faz para tirar o porte de arma. Neste, alguém postado numa linha é determinado que se municie o carregador, coloque-o na arma e alimentar que é a função de colocar uma munição na câmara e assim estar pronto para efetuar o disparo. Um alvo postado a alguns metros, imóvel se prepara para receber os impactos que porventura o vierem a alvejá-lo. É dado então ordem para que se faça o disparo. O candidato faz a visada calmamente, fecha um dos olhos, enquadra massa, alça de mira e o centro do alvo. Lentamente vai pressionado o gatilho até que acontece o disparo. Caso a visada tenha sido feito de forma correta o tiro sairá perfeito com o acerto no centro do alvo.

Esta é a forma de se começar a aprender a trabalhar com arma de fogo. No entanto este é apenas um primeiro passo para aqueles que irão utilizar do armamento como uma forma de trabalho e que será decisivo em determinadas ocasiões como entre a sua vida ou o seu óbito. Assim as técnicas aprendidas no início com certeza deverão ser utilizadas posteriormente, no entanto estas irão avançar para que o treinamento tenha eficácia quando forem utilizadas na vida real. Alguns dos manuseios aprendidos inicialmente novamente serão repetidos á exaustão no TAP para que se torne mecanizada a ação do policial no sentido de que mesmo diante de um alto estresse, que é o confronto armado, ele venha a agir de conformidade como treinou.

Podemos exemplificar com relação ao manuseio de uma Pistola .40 onde o aspirante teve o seu primeiro contato com este tipo de armamento e teve que municiar, carregar e alimentar a arma e logo após efetuar um disparo. Este mesmo procedimento será repetido posteriormente no TAP somente que diante de uma situação de estresse onde ele deverá fazer os mesmos movimentos só que abrigado e sob fogo. Com a adrenalina em alta ele terá que raciocinar em se abrigar e caso tenha havido uma pane trabalhar a sua arma para estar de volta ao combate com a arma em condições de tiro.

Desta forma, no início o aspirante aprendeu a municiar o carregador, fará a mesma coisa no TAP. Também aprendeu a inserir o carregador na arma. Ocorrerá o mesmo no TAP. Manobrará o ferrolho e irá inserir uma munição na câmara e assim estar apto a efetuar o disparo. Ocorrerá o mesmo no TAP. Efetuará o disparo. Assim como no TAP. Ocorrerá uma pane e o aspirante terá que solucioná-lo. O mesmo no TAP. No entanto a diferença existente entre uma ação e outra é que na primeira ele age sobre comando e na segunda lhe é explicado, refeito o treinamento para que assim aja com os seus reflexos automatizados e consiga, mesmo em condições de alto estresse, fazer aquilo que deverá diante de uma situação adversa conforme o quadro montado se lhe apresentar. São situações completamente diferentes, como por exemplo, no caso de uma pane ao adentrar um ambiente hostil, efetuar o primeiro disparo e a arma deixar de funcionar. O aspirante/policial sem nenhum comando irá se abrigar, chamar um companheiro para cobri-lo enquanto resolve o problema com sua arma de fogo.

Dito isto podemos afirmar que não existe nenhuma relação entre o primeiro treinamento com a arma de fogo e o segundo estágio que é um aprimoramento, mesmo se fazendo aparentemente a mesma coisa, apenas deixando claro da importância que é o primeiro contato com a arma de fogo e o aspirante se acostumar com esta situação. Quando acima digo que “não existe nenhuma relação” não quer dizer que é desimportante o primeiro contato com a arma, pelo contrário, sem este não se consegue chegar ao segundo estágio ou somente conseguiria chegar com um esforço muito maior pelo TAP. Apenas dizemos que são duas situações completamente distintas. Um é o tiro estático e outro é o tiro tático, em movimento e resolvendo por si mesmo os problemas que vai enfrentando na pista enquanto progride no terreno sem nenhum tipo de comando.

Podemos assim verificar que é o mesmo tipo de treinamento que o aspirante teve no início do seu aprendizado com a Pistola .40, no entanto em situação diametralmente oposta. Da mesma forma quando ocorre uma pane, aponta a sua arma para algum alvo, faz uma troca de carregadores, etc. Em todas estas haverá sempre um perigo a espreita e o aluno necessita estar preparado psicologicamente para se abrigar, se proteger e somente depois estar apto a responder aos disparos que estão indo em sua direção, preservando desta forma sua integridade física.

Assim quando falamos no treinamento do tiro tático vemos que não se guarda nenhuma relação ou pelo menos quase nenhuma com o tiro estático onde o aluno ainda está aprendendo a manejar o seu equipamento letal. Nesta, ele está apenas aprendendo como é que funciona esta máquina que “cospe fogo” e que se for usada indevidamente sem o devido treinamento poderá causar enormes transtornos jurídicos ao homem bem como à instituição que cairá em descrédito em relação à sociedade.

A continuação do treinamento com a arma de fogo é essencial na vida de qualquer policial, já que após o término do curso de aspirante ele receberá este equipamento e um porte para que possa usá-la de forma apropriada e somente o treinamento no TAP é que possibilitará esta oportunidade. Lembre-se que após a saída do curso inicial na ACADEPOL o aluno terá uma enorme dificuldade em retornar para fazer novos treinamentos já que a grande maioria é enviada para trabalhar no interior e a dificuldade para que isto venha acontecer com a periodicidade desejada é uma fantasia difícil de acontecer, pelo menos por enquanto que tenho certeza será este problema sanado em breve.

Mesmo os nossos colegas que já atuam há muito tempo nas ruas ainda sofrem da falta de um treinamento adequado, como temos visto nos últimos dias com fatos que aconteceram em nossa capital envolvendo Investigadores de Polícia da Homicídios.

É inconcebível que ainda haja por parte de poucas pessoas uma distorção do que seja o ensino policial e sabotem a própria instituição de que fazem parte dificultando o trabalho daqueles que somente querem o melhor para os nossos colegas. Dar o melhor treinamento possível para que eles não passem por dificuldades quando de um confronto armado ou mesmo percam a vida.

Isto somente poderá acontecer quando houver profissionalismo por parte daqueles que se aventuram a transmitir conhecimentos que somos demandados. Para isto precisamos nos despir de vaidades e assim construirmos um caminho mais seguro para aqueles que confiam em nossos ensinamentos.

Neste texto fiz um pequeno apanhado do que é ensinado dentro do TAP com relação ao treinamento tático já que temos diversas outras técnicas utilizadas pelas melhores escolas de polícia do mundo nesta área.

Um pequeno exemplo poderá ser visto no vídeo que iremos apresentar em breve e que serviu de mote ao treinamento do pessoal da DEOEsp – Divisão Especializada de Operações Especiais – quando do Curso de Investigação na Extorsão Mediante Sequestro, ocorrido no mês de agosto do corrente. Outras técnicas são ensinadas exaustivamente para que o policial tenha maior segurança quando do seu enfrentamento em um confronto armado e possa sair incólume pelo profissionalismo que deve ter em suas atitudes tanto como investigador ou como operador tático. Veja que no curso acima estamos falando daqueles policiais dentro de nosso estado que mais se envolvem em confrontos armados prendendo quadrilhas extremamente perigosas. Mesmo eles tiraram ensinamentos valiosos para os seus trabalhos posteriores. O que dirá daqueles que somente de vez em quando tem a oportunidade de utilizar suas armas de fogo.

Estamos à disposição para dentro do possível continuarmos aprendendo e disseminando estes conhecimentos e cobrando como contrapartida que alguns Professores do TAP periodicamente sejam encaminhados para treinamentos na TESS Brasil no PR e mesmo no BOPE ou na CORE no RJ, já que os diversos conhecimentos adquiridos por alguns destes para ensinar aos colegas mineiros o foram com as expensas próprias.

Aproveitando a oportunidade enfatizar mais uma vez sobre a necessidade no curso de formação para que na disciplina de TAP também tenhamos condições de utilizar as Pistolas .40 e com uso de munição real. Podemos dizer com certeza que os aspirantes não estão saindo em condições de portar este tipo de equipamento tendo em vista a insuficiência do treinamento na ACADEPOL, não por culpa de quem ensina os primeiros passos no uso deste tipo de armamento, mas sim da insuficiência do aprendizado que deveria continuar com o TAP o que atualmente não acontece. É uma irresponsabilidade que ao término do curso de formação o aluno receba uma Pistola .40 para trabalhar sem antes na verdade ter condições de usá-la tecnicamente e taticamente. Outra distorção é quando no curso de aperfeiçoamento e chefia os policiais não tem contato com o uso tático de armas de fogo, apenas repetindo os mesmos treinamentos feitos quando de sua formação. Não se anda para frente. Fica-se no mesmo lugar.

As ponderações feitas neste pequeno texto reiteram que são no sentido de criticar para auxiliar no melhoramento do ensino policial em nossa Casa de Ensino, sendo que mesmo afastado da lide diária de uma unidade policial por causa de minha aposentadoria ainda me preocupo sobremaneira com a qualidade daqueles que estamos colocando para trabalhar. Gostaria que vivêssemos num mundo perfeito e todas as sugestões acima elencadas seriam implantadas imediatamente, mas sabendo de todas as nossas dificuldades nem sempre isto depende da boa vontade daqueles que dirigem qualquer instituição pública. Existem enormes dificuldades a serem transpostas, mas pelo menos devemos estar sempre procurando a excelência na transmissão de conhecimentos que é a tônica da ACADEPOL/MG, sem nenhuma dúvida uma das melhores de nosso país.

Algemas - Recomendações do TAP – Técnicas de Ação Policial.

O Coordenador do TAP – Técnicas de Ação Policial, tendo em vista a dificuldade dos professores, alunos e policiais da Polícia Civil de Minas Gerais em fazer uso e emprego das algemas, tece as seguintes recomendações:

CONSIDERANDO a necessidade de se orientar o Policial Civil quanto a oportunidade do emprego de algemas, objetivando preservar e respeitar a integridade física e moral do cidadão e a forma tecnicamente correta do seu uso, quando se fizer necessária, com o propósito de garantir ao policial, uma menor exposição a risco de lesão ou morte;

CONSIDERANDO o advento da súmula vinculante nº 11 do STF que preleciona: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”;

CONSIDERANDO que o Código de Processo Penal em seu artigo 284 diz que: “Não será permitido o emprego de força salvo a indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso” e ainda o artigo 292 do mesmo estatuto legal: “Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto, subscrito também por duas testemunhas”;

CONSIDERANDO que o parágrafo 3º do artigo 474 do Código de Processo Penal com a reforma do procedimento do Júri, feita através da Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008 esclarece: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.

CONSIDERANDO o Art. 199 da Lei de Execução Penal que prevê: “O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”, e, no entanto até a presente data o regulamento em destaque não foi implementado, sugerindo procedimentos diversificados, e as vezes não indicados, quanto a oportunidade e real necessidade do uso de algemas;

CONSIDERANDO ainda que os policiais civis no uso de suas atribuições ao cumprirem mandado de prisão, flagrante delito ou mesmo condução de pessoas detidas caso utilizem de forma indevida as algemas, em desconformidade com a legislação, poderão ser enquadrados na Lei 4.619/65 que prevê os crimes de Abuso de Autoridade (“submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou constrangimento não autorizado em lei.” art.4º, b) ou mesmo da Lei nº 9.455/97 que tipifica a conduta criminosa da prática de Tortura;

CONSIDERANDO que o uso indevido de algemas pode atentar contra a dignidade da pessoa humana conforme art. 1º, III da Constituição Federal e que no artigo 5º é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

CONSIDERANDO que as algemas sendo legítimas e necessárias não aviltam a dignidade da pessoa humana, mas o seu excesso sim;

CONSIDERANDO que ao Estado cabe também defender os direitos e garantias individuais dos demais integrantes da sociedade além dos presos e deste modo alguém que foi tolhido no seu direito de ir e vir por ter atentado contra a segurança pública deve ser conduzido à presença da Autoridade Policial de uma forma segura para o conduzido, para o policial e terceiros inocentes;

CONSIDERANDO que a movimentação do preso fora de uma unidade policial sem o uso de algemas pode acarretar uma fuga com responsabilização direta do seu responsável;

CONSIDERANDO que a exposição desnecessária e exagerada à mídia, com o uso de algemas, inegavelmente atenta contra os direitos fundamentais, como a honra, imagem e dignidade humana conforme prevê o artigo 5º, X da Constituição Federal;

R E S O L V E:

Art. 1º. Em nenhuma hipótese o emprego de algemas será utilizado como forma de sanção, coerção, uso abusivo e vexatório, com excessiva exposição pública, com intenção de constranger e não de cumprir a lei.

Art. 2º. Fica autorizada a utilização de algemas quando houver resistência física à prisão, receio de fuga do preso ou ele ofereça risco à própria segurança, a dos seus condutores ou de terceiros, devendo esta excepcionalidade ser justificada por escrito.

Parágrafo único: Os requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física e se for o caso de algemas serão: indispensabilidade da medida, necessidade do meio, defesa do policial e para vencer a resistência.

Art. 3º. O policial que estiver efetuando a detenção deve considerar as circunstâncias que levaram à prisão, a atitude da pessoa presa, a idade, o sexo, a saúde da pessoa antes do algemamento e a preocupação com a sua segurança.

Art. 4º. No caso de busca pessoal, onde houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma de fogo e que possa causar risco a integridade física do policial este poderá algemar o cidadão antes de iniciar a busca.

Art. 5º. A única forma correta e indicada para o emprego de algemas é com as mãos do algemado voltadas para trás do corpo, as palmas das mãos para fora e com as fechaduras das algemas direcionadas para cima, conforme Manual de TAP – TÉCNICAS DE AÇÃO POLICIAL da ACADEPOL/MG.

Parágrafo 1º. Após a colocação das algemas, obrigatoriamente o policial deverá fazer uso das travas das algemas para que elas não sejam mais apertadas do que o necessário nos pulsos do detido e assim evitando ferimentos desnecessários, protegendo tanto o detido quanto o policial.

Parágrafo 2º. Não se recomenda que o preso seja algemado ao condutor, ou que seja transportado, quando em viatura, em outro compartimento que não o destinado a indivíduos reclusos, exceção feita a menores.

Art. 6º. Os Policiais Civis zelarão pela preservação dos direitos à imagem e privacidade das pessoas submetidas à investigação policial ou presas por qualquer motivo, a fim de que, as mesmas, e por extensão às suas famílias, não sejam causados prejuízos irreparáveis decorrentes da exposição de suas imagens ou da divulgação liminar de circunstâncias ainda objeto de apuração. (Copiado da Portaria DGP nº 18, de 19 de julho de 1997 – Polícia Civil de São Paulo).

Art. 7º. No caso de adolescentes deve ser evitado o uso de algemas, no entanto, se o indivíduo possui um alto grau de periculosidade e seu porte físico avantajado coloque em risco a incolumidade física das pessoas, é lícito que ele seja contido mediante o emprego de algemas, desde que presentes os requisitos da Súmula Vinculante número 11.

Art. 8º. O Policial Civil que efetuar uma prisão e conduzir algemado o preso até a presença da Autoridade Policial deverá explicitar em seu relatório o motivo pelo qual utilizou aquele meio de contenção, devendo se pautar pelo princípio da proporcionalidade, que exige adequação, necessidade e ponderação da medida constritiva.

Art. 9º. Em caso de condução coercitiva (“condução debaixo de vara”) de testemunha, ofendido, indiciado, acusado ou até mesmo do perito por solicitação judicial, caso haja resistência, permite-se o uso da força, incluindo-se o uso de algemas.

Art. 10. Em caso de transporte de preso em aeronaves, com algemas, elas deverão se possíveis, estar cobertas para evitar um possível constrangimento do transportado e dos passageiros.

Art. 12. Esta recomendação servirá de parâmetro na utilização das algemas pela Polícia Civil de Minas Gerais.

Belo Horizonte, 28 de abril de 2009.

Elson Matos da Costa

Delegado Geral de Polícia

Coordenador/Professor de TAP

Técnicas de Ação Policial da ACADEPOL/MG

Academia de Polícia Civil de MG